Ciências & literatura – Henri Poincaré

Poincaré, H. Ensaios Fundamentais. Rio de Janeiro: 2008

Nesses dias eu tenho lido os contos da Clarice Lispector e eu fico impressionada com a capacidade de observação dela. Sua escrita revela o que existe por trás do evidente, descreve com profundidade e elegância o que está oculto, características inerentes aos cientistas. Se o mundo matemático se divide entre os geômetras e os analistas, sem dúvida a clarice é uma analista que utiliza as palavras para analisar o cotidiano.

Neste livro de ensaios de Poincaré, o último ensaio é sobre uma publicação de 1911 entitulada “Les Sciences et les Humanités” e traduzida como “As Ciências e as Humanidades“. Poincaré defende a cultura literária e a educação clássica e investiga o que se deve fazer para formar cientistas.

Vou acrescentar nesse grupo de Ciências, a engenharia. Apesar de não ser uma ciência exata, pois trabalha com incertezas, ainda sim é uma ciência, uma vez que se apoia no conhecimento científico para projetar, construir e controlar, aplicando o conhecimento científico para conceber soluções criativas para problemas práticos [1].

Poincaré relaciona o ensino literário com a ciência através de uma idéia muito elegante: “Concorda-se em dizer que o ensino literário é o mais adequado para desenvolver em nós a finura de espírito.”

Nesse momento você deve ser perguntar: Mas o que tem a ver literatura com a ciência aplicada na engenharia?

Poincaré cita um exemplo no livro, o qual ele chama de “exemplo grosseiro”, e eu vou colocar esse exemplo de forma atual para os estudantes de 2021: (i) Se o estudante não possui robustez para a leitura e capacidade de interpretação de texto, não faz a prova do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes). Esses exames exigem, além do conhecimento técnico, a capacidade de interpretar textos. (ii) Durante o curso de engenharia, idealmente, as provas e avaliações também possuem o perfil contextual e interpretativo de problemas de engenharia. Concluindo, a capacidade de leitura está presente não só na fase de entrada para a faculdade, mas também durante e na conclusão.

Temos que levar em conta que, dentre os formandos de uma turma de engenharia, existem muitos que não atendem a esse requisito. Esses vão se formar e, talvez, conseguir um emprego mais rápido do que aqueles alunos que se esforçaram e desenvolveram o estudo literário. Afinal, não vivemos no mundo ideal. Conforme Poincaré coloca no texto, “[…] é possível se tornar um grande cientista sem a finura de espírito e a prova é que a maioria dos cientistas é desprovido dela. Mas isso equivale a se contentar com uma visão superficial“.

Deixo abaixo uma lista de alguns livros clássicos da literatura nacional e estrangeira:

Literatura Nacional
  • Grande Sertão: Veredas (1956), João Guimarães Rosa
  • Dom Casmurro (1899), Machado de Assis
  • A Paixão Segundo G.H. (1964), Clarice Lispector
  • As meninas (1973), Lygia Fagundes Telles
  • Vidas Secas (1938), Graciliano Ramos
Literatura Estrangeira
  • O lobo da estepe – Hermann Hesse, 1927
  •  O Processo – Franz Kafka, 1925
  • O Pequeno Príncipe – Antoine de Saint-Exupéry, 1943
  • Crime e Castigo – Fiódor Dostoiévski, 1866
  • Alice no País das Maravilhas – Lewis Carroll, 1865

Precisamos desenvolver a capacidade de observação do mundo diante de nós com cautela, humildade e, principalmente, finura de esípito. Esse é o caminho para uma humanidade verdadeiramente científica.

E agora, isso está bem claro. O cientista não deve deter-se na realização de objetivos práticos; haverá de alcançá-los, sem dúvida, mas é preciso que os alcance como uma bonificação. Ele nunca deve esquecer que o objeto especial que estuda é apenas parte de um grande todo, um todo que ultrapassa infinitamente, e que o amor e a curiosidade por esse grande todo devem ser a única mola a impulsionar a sua atividade. A ciência tem tido aplicações maravilhosas; mas uma ciência que só tivesse em vista as aplicações, já não seria ciência, seria apenas culinária. Não existe outra ciência senão a ciência desinteressada.

Henri Poincaré

[1] http://aerospaceengineeringblog.com/engineering-a-manifesto/

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